terça-feira, 22 de novembro de 2011

PALESTRA DE JOSÉ ÁLFIO NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO PLANALTO

D.J. DE Oliveira e a paisagem de Luziânia no Painel três Bicas

APRESENTAÇÃO


Desempenho esta tarefa como um verdadeiro desafio. Primeiro porque tenho consciência de que aqui entre meus confrades e amigos existem pessoas mais capacitadas e competentes para discorrer sobre este assunto de alta relevância à nossa cultura. E também, considerando a amplitude da obra de D.j Oliveira, tanto no que diz respeito às várias técnicas que o artista dominava, no campo do desenho, da gravura, da pintura, e do muralismo, bem como da evolução de suas diferentes fases artísticas. De forma que o D. J deixou um legado bastante amplo para a pesquisa estética aberta às possibilidades de uma interpretação interdisciplinar por outros campos do conhecimento que poderão lançar luzes na tentativa de traduzir a grandeza e profundidade da sua obra artística, principalmente no período em que viveu em Luziânia. Entretanto sua contribuição e legado não mereceram ainda o reconhecimento de grande parte dos pesquisadores e moradores de Luziânia. Especialmente na questão da ligação que o D.J conseguiu empreender, do meu ponto de vista, entre a arte e a cidade a partir do momento em que criou o Painel Três Bicas situando-o no campo da Arte Pública. Tentarei fazer aqui, um recorte temporal da obra do D. j, do seu pensamento estético e posicionamento enquanto cidadão, através da análise das imagens por ele criadas e estampadas no painel três bicas, cujas leituras podem nos fornecer uma base para estabelecer um paralelo com as transformações no espaço urbano, conseqüentemente na paisagem de Luziânia com claríssimos reflexos na história da arte e da cultura.

Resumo biográfico
Dirso José de Oliveira, o D. J nasceu na cidade de Bragança Paulista em 14 de Novembro de 1932. Filho do Sr. Honorato José de Oliveira e Dna Rosa Capózoli. Desde a infância foi afeiçoado ao campo das artes visuais. Com apenas dez anos de idade já ajudava a desenhar cartazes para cinema, em sua cidade. Em 1948, muda-se para São Paulo, e a partir de então se inicia um novo percurso no seu universo artístico. Visita assiduamente o atelier de amigos e freqüenta a Associação Paulista de Belas Artes juntamente com a Fundação Álvares Penteado, e o Grupo Santa Helena. Em 1956, atraído pelas novas perspectivas advindas com a construção de Brasília, muda-se para Goiânia, colaborando na formação de nomes expressivos das artes plásticas em Goiás, Ana Maria Pacheco, Siron Franco, Dra. Grace Freitas, Roosevelt de Oliveira, Amauri Menezes e muitos outros. Em 05 de novembro de 1957, D. J casou-se com Terezinha de Jesus Oliveira. A cerimônia de Casamento religioso ocorreu no Santuário Don Bosco em Goiânia e foi noticiado pelo jornalista Lourival Batista. Dentre os estimados padrinhos de casamento, vale ressaltar a participação dos Luzianienses, Dr. Joaquim Machado de Araújo E o Sr. Joaquim Domingos Roriz. Deste casamento tiveram três filhos: Ricardo José de Oliveira, Dilermando José de Oliveira e Valéria Oliveira. Em 1968 D.J. Transferi-se para a Europa, Em 1972, muda-se para Luziânia Go.

PALESTRA DE JOSÉ ÁLFIO NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO PLANALTO

O Painel três bicas
Título da obra, idealizada por D. j. Oliveira e instalada na Praça Raimundo de Araújo Melo, Centro de Luziânia, no ano de 1994, na gestão do prefeito Delfino Oclécio Machado. O projeto de criação e arte do Painel Três Bicas foi doado pelo pintor à população de Luziânia, com a intermediação da Academia de Letras e Artes do Planalto, cujo presidente na época era o Dr. José Dilermando Meireles. Trata-se de uma prodigiosa obra da arte pública e da engenharia moderna, que se apropriou dos meios artísticos e dos elementos arquiteturais, especialmente o concreto, a água e os azulejos, para sua composição. Os pilotis, as duas plataformas em concreto armado na forma de dois semicírculos em oposição separados por um espelho de água, onde se vêem refletidas, as imagens e as cores do painel, remetem-nos às estruturas arquiteturais utilizadas na construção de Brasília. No centro do espelho d’água, eleva-se um monobloco de base triangular, sustentada por pilotis em forma de arcos, mais tarde ali inserido, como projeto complementar, integrando ao conjunto dos painéis. O monobloco de três faces apresenta em cada face, figuras humanas eretas numa alusão às três raças formadoras da civilização que se desenvolveu em Luziânia. O painel foi executado na técnica da pintura em azulejos vitrificados, e o artista utilizou pigmentos minerais que, através de sucessivas queimas em forno elétrico, atinge a escala dos 1200 graus Celsius, para em seguida fixá-los na parede de concreto com argamassa. A obra apresenta-se com 35 metros de extensão, cada estrutura, sendo que, suas paredes de concreto, suporte das cerâmicas, elevam-se do piso à base, com 80 cm, e do piso ao topo, com 2,40 cm. Sustentada por 34 colunas inclinadas na forma de pilotis, cujas paredes que sustentam apresentam-se curvadas dentro de uma estrutura em forma de uma circunferência. A construção dos painéis seguiu um esboço da arquiteta Ana Maria Borges, posteriormente redesenhado por engenheiros da Prefeitura Municipal. Importante notar a semelhança entre o Painel Três Bicas e o Monumento ao Trabalhador, obra do artista Clovis Graciano, edificada na praça da antiga estação ferroviária em Goiânia, cuja estrutura apresenta semelhante formato, infelizmente, destruído durante o regime Militar. O painel Três Bicas, recebeu esse nome em função de uma nascente que serviu de fonte pública aos antigos moradores de Luziânia, e cujas águas jorram ainda no solo da cidade. As imagens do Painel posteriormente foram utilizadas num álbum de serigrafias denominado “Do bandeirante ao homem do planalto central”. O Painel Três Bicas foi objeto de estudo para dissertação do meu mestrado em Artes Visuais no Instituto de Artes da Universidade de Brasília.

PALESTRA DE JOSÉ ALFIO NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO PLANALTO

Historia de Luziânia no painel
As características pictoriais dos painéis colocam em oposição duas linguagens artísticas, e acredito conter ali duas temporalidades, e alteridade espacial no que se refere ao segundo plano do espaço pictorial, bem como dois modos de representação das figuras. No primeiro painel uma espacialidade figurativa e no segundo o espaço geometrizado. Assim, poderíamos identificar no primeiro painel, uma tendência expressionista, favorável a construção de uma narrativa, pois a seqüência de imagens induz a uma leitura cronológica, perfazendo uma linearidade histórica. Parece que o pintor queria ilustrar a história, recontá-la através das imagens, assim colocou na primeira cena a terra erma, tranqüila, habitada por índios e animais selvagens, um lugar ainda intocado pelos pés do colonizador. Provavelmente o pintor teve contato com os escritos de Melo Álvares, referindo-se aos índios Crixás, Xavantes e Penas brancas, que se encontravam escondidos nas matas do rio maranhão, no ano de 1886, perambulando pacificamente pela região do planalto central. A seguir, o Pintor apresenta a cena onde aparece o colonizador, o bandeirante, e logo depois, os escravos, em seguida, o carro de bois, e sucessivamente, o pequeno arraial, o vaqueiro, a cadeia velha, o sobrado da praça da matriz, a Fiandeira, o tamboril, os músicos, as irmandades religiosas, a pensão do Sr. Juca da Ponte, a Igreja do Rosário, A festa do Divino, os carregadores de água das três Bicas, A escola, e os historiadores. Percebe-se que a sucessão de temáticas mostra a evolução da ocupação mineradora, a formação do arraial, aos aspectos de um povoado, a uma cidade delineada por formas arquitetônicas bem definidas, o colonial brasileiro, a arquitetura bandeirista. O pintor adentra nos costumes e tradições da civilização histórica. Todas essas temáticas encontram respaldo literário e histórico em fontes bibliográficas da antiga Santa Luzia, principalmente nos arquivos de Gelmires Reis e na memória dos antigos moradores de Luziânia. Neste momento, chamo atenção para a imagem dos casarões e monumentos que O D. J pintou no Painel, principalmente porque eles se constituem legítimos documentos que ainda persistem em se manterem erguidos na paisagem urbana de Luziânia e na memória de seus ilustres cidadãos. A igreja do Rosário marco principal dos monumentos coloniais. Esta ali, desenhada e colorida pelas mãos do pintor. O prédio da Cadeia Velha, demolido na década de 60, para construção de um Posto de Gasolina e a pensão do Sr. José Rodrigues dos Reis. Também demolida na década de 70, para edificar o Centro Pastoral Padre José Bazom, são formas exemplares da nossa paisagem colonial, que provavelmente o pintor as copiou de uma ilustração do livro de história de Joseph de Melo Alvares. O sobrado que aparece no painel, tem os traços, a dimensão e o nosso reconhecimento de que se trata do sobrado da Praça da Matriz, de propriedade da nossa confreira Terezinha de Jesus Roriz Machado, este sobrado foi por várias vezes desenhado por D. j em diversos suportes artísticos, ate mesmo em aquarelas e gravuras, provavelmente o monumento mais utilizado pelo pintor para ilustrar a paisagem de Luziânia. Ele não deixou de prestigiar este fabuloso marco da arquitetura colonial de Luziânia, retratando-o no painel. “foi justamente de uma das janelas dos cômodos desse sobrado, que o naturalista francês Saint-Hilaire assistiu ao espetáculo das cavalhadas, em companhia do padre João Teixeira Alvares”, esse acontecimento se deu no ano de 1819, na festa de pentecostes, realizada em frente à Igreja Matriz, nos informa Dilermando Meireles (Apologia de Brasilia, p 52), Outra imagem basilar na reflexão sobre a paisagem de Luziânia, se localiza no início do segundo painel onde aparece a figura de um sacerdote com os braços estendidos, tocando dois elementos estruturais, do lado esquerdo, a forma triangular, semelhante às colunas do Palácio do Planalto, e do lado direito sua mão se direciona a estrutura de um casarão de portais abaulados e telhado inclinado, tendo sobre sua frente um plano, que serve de fundo para as árvores desfolhadas. Seria este plano uma espécie de tapume? Ou superfícies das paredes que buscam a modernização? a forma, o padrão, a escala geométrica? E as árvores desfolhadas, sinalizariam o encerramento do ciclo histórico dos velhos casarões, da antiga Santa Luzia, da paisagem colonial? O sacerdote concebido pelo pintor e esboçado no painel, pode ser uma referência ao padre salesiano Don Bosco, que nasceu em 16 de agosto de 1815, na Itália, na cidade de Castel Nuovo, e faleceu em 31 de Janeiro de 1888, em Turim. O sacerdote teve uma participação relevante no papel desempenhado por políticos e intelectuais da cidade de Luziânia, em cooperação para mudança da Capital Federal. Essa participação veio através de um sonho profético, escrito nas memórias biográficas, volume XVI, do padre salesiano, e que foram trazidas a lume pelos cidadãos de Luziânia, Germano Roriz e Sigismundo Melo, com ajuda do padre Cleto Calimam. “E por iniciativa de Sigismundo Melo, o “Sonho – Visão de Don Bosco” foi divulgada na cidade de Goiânia e logo dele se ocupou toda a imprensa nacional. No Sonho o padre ouve uma voz repentina que dizia: “Quando se vierem cavar as minas escondidas em meio a esses montes, aparecerá aqui à terra prometida que jorrará leite e mel” (Adilson Vasconcelos. A mudança da capital. P.72). Coincidência ou não, o ciclo do ouro já havia se encerrado nas regiões do planalto central, antes da instalação de Brasília, que se tornaria mais tarde a terra prometida, atraindo milhares de brasileiros em busca de novas perspectivas de vida. E grande parte desse contingente migrariam para a região que chamamos, hoje de Entorno, principalmente Luziânia.

PALESTRA DE JOSÉ ÁLFIO NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO PLANALTO

Arte e cidade o impacto ou a guerra das formas
D.J Oliveira era um artista antenado. Ligado as coisas do mundo, e aos movimentos artísticos das vanguardas, tinha conhecimento do manifesto futurista de Marinetti, que proclamava a incineração dos museus, bibliotecas, e academias de toda natureza, ensejando o apagamento da história e a identificação do homem com a máquina. D.J viveu o drama, as tentativas de abandonar a figura para navegar na abstração geométrica, e confessou: “Não quero perder esse vínculo com a pintura que me emocionou desde a infância”, D j. Utilizou recortes de cores que assemelha as formas do cubismo sintético de Picasso e Braque, na fragmentação das figuras, procedimento aplicado no segundo painel onde se vê uma inovadora incursão as construções geométricas. Quiçá estivesse ali se referindo a escala geométrica, ao padrão angular, a fragmentação do espaço urbano traduzido por centenas de loteamentos que cobririam a paisagem natural de Luziânia para o surgimento de novos núcleos habitacionais. O que seria um golpe fulminante na fisionomia urbana da cidade histórica. D.J Chegou a estampar grandes áreas vazias no painel, talvez, numa alusão aos quadrados brancos de Mondriam, expressão maior da modernidade artística, explorador do vazio do qual se referiram os críticos e historiadores da arte, “O centro vazio da pequena tela no cavalete corresponde à ausência de sua pessoa. Mondrian falava, nessa época, muitas vezes do desparecimento do sujeito nos novos tempos que então despontavam. ( Taschem. P.64). Talvez nas áreas de cores brancas, que reflete o próprio azulejo, D. J quisesse ali nos dizer da perda das referencias espaciais, dos mecanismos propulsores das lembranças, das memórias. O cidadão sem identidade, reduzido a um número nas estatísticas. Por outro lado o urbanismo moderno juntamente com os novos matérias da indústria e da arquitetura viriam somar forças na transformação da Paisagem de Luziânia. Os agentes impulsionadores desta força, inspirados no grito de guerra de Le Corbusier, que dizia “precisamos matar a rua” para remodelar a cidade, agiam desvairadamente. (Gloria Ferreira. Escritos de Artistas. P.154). Os becos tortuosos, a rua estreita, com todo espetáculo visual de outrora, protagonizado por vários sobrados e velhos casarões que compunham a paisagem histórica de Luziânia, presentes na obra de Dj. Oliveira, deveriam ser adaptados, e os obstáculos removidos para que entrasse em cena a grande via, o asfalto e as novas construções na cidade, representadas pelos grandes edifícios e obras da arquitetura moderna. Como se prenunciadas nos versos de Caetano Veloso “é a força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Assim a Luziânia histórica cedeu lugar ao novo, sem nenhuma possibilidade de conciliação e reconhecimento “e cuja superfície está agora ameaçada de ser sumariamente banida, para abrigar os filhos ingratos da nova civilização.” (Dilermando Meireles. O planalto Central do Brasil no Passado no Presente e no Futuro, p.07). O D.J. de Oliveira poucos meses que antecederam a sua morte, já andava muito entristecido pela vinculação na imprensa local de que setores ligados aos empresários da cidade queriam demolir o painel três bicas. Por coincidência, no aniversário da sua morte essa idéia voltou a circular nas redes sociais, do faceboock, sobre um projeto mirabolante da Prefeitura Municipal de remodelação da Praça Três Bicas com a supressão dos painéis, cujo intento ainda não nos foi esclarecido e nem levadas a efeito.

PALESTRA DE JOSÉ ÁLFIO NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO PLANALTO

D. j. de Oliveira e a ligação com a cidade de Luziânia.
Importante notar que D.J de Oliveira pesquisou a fundo a história de Luziânia, principalmente os autores Joseph de Melo Álvares, Gelmires Reis, alem de Paulo Bertram e Adirsom Vasconcelos, para elaborar uma espécie de narrativa através de imagens que fizessem referência a história da cidade. D. J. Oliveira agiu como um profeta, um mago, um artista que coloca a sua arte, ou quiçá sua própria vida, para reflexão do destino de uma paisagem, prenunciando a grande transformação que iria ocorrer no tecido urbano, no campo arquitetural, sócio-econômico e cultural, a partir da instalação de Brasília. Mencionou através de linhas e cores o embate entre duas temporalidades, o antigo e o moderno no contexto histórico da cidade de Luziânia. Mas qual foi à posição do pintor e sua atitude frente à mudança da paisagem humana e geográfica? D.J Oliveira chegou em Luziânia, no ano de 1972, a convite do empresário Neviton Carneiro Lobo, foi morar primeiramente em um velho sobrado de dois pavimentos localizado na rua José de Melo, onde funciona hoje o Centro de Convivência dos Idosos. Vale ressaltar que Brasília já completará 12 anos, e a esposa do pintor e seus três filhos morava em um edifício na capital federal. Nesta época tive a oportunidade de conhecer o renomado mago das cores e com ele aprendi algumas técnicas de pintura e gravura, além de absorver algumas idéias que o alimentavam. Ali, ele pintou várias obras com o tema de Dom Quixote, produziu gravuras ligadas ao tema da Via Sacra, Antônio Conselheiro e a Paisagem de Luziânia. Em 1976, se ligou a um grupo de intelectuais da cidade para criação de um instituto de preservação do acervo patrimonial e artístico da cidade, a Academia de Letras e Artes do Planalto, que tinha como função zelar pela preservação do patrimônio histórico e artístico da região, ameaçado de extinção, frente a expansão dos serviços da modernidade advindos da instalação da moderna capital brasileira nas proximidades de Luziânia. Essa idéia teve grande adesão da comunidade política e intelectual da cidade e o pintor ocupou a cadeira de nº 13 nesta academia, até o dia da sua morte ocorrida no dia 23 de setembro de 2005. A mudança para outro casarão no bairro do Rosário reforçou ainda mais sua integração com a herança cultural de Luziânia, pois comprou o casarão no estilo colonial, do mesmo período do velho sobrado onde residia. A ligação do pintor com este casarão é marcante, pois ali foi escolhido para ser seu ateliê preferido, considerando que tinha na época um ateliê em Goiânia, para contatos e ponte de encontro com marchand e intelectuais daquele lugar. Sem apoio do poder público local, restaurou com recursos próprios, toda estrutura da casa, retirando telha por telha e reparando ou substituindo parte do madeiramento da mesma com madeiras oriundas do sítio que possuía nas proximidades da fazenda Catalão município de Luziânia. Na restauração que empreendeu no velho casarão, ele não colocou forro, pois gostava do clima, do arejamento possibilitado pelos enormes portais e janelas e gostava de observar a pátina das telhas quando a chuva caía por sobre elas. Sempre nos dizia que ali era o seu lugar, seu verdadeiro ateliê. Alimentava o costume de se sentar na calçada defronte ao velho casarão, para que ali, de posse do seu inseparável cigarro de palha, pudesse observar a rua, ver a procissão dos fiéis subindo a estonteante ladeira do rosário, conversar com as pessoas que o visitavam principalmente amigos, personalidades comuns do dia-a-dia e os pintores da cidade. Sempre foi totalmente contra a colocação de asfalto na Rua do rosário, pois afirmava que o trabalho de compactação realizado por pesadas máquinas provocaria uma trepidação muito forte no terreno e as paredes dos casarões não resistiriam, provocariam o rompimento das estruturas e o deslizamento das telhas, danificando as construções históricas. Certa vez nos disse numa entrevista. “Se tirarem os seus paralelepípedos será um desastre”. DJ. Oliveira foi um dos acadêmicos que juntamente com Gelmires Reis e Benedito de Araújo Melo, tiveram a coragem de manifestar publicamente a preocupação com o destino do patrimônio histórico e artístico de Luziânia e sua paisagem colonial. Em 15 de Dezembro de 1974, numa matéria publicada no Jornal cinco de Março, eles fizeram um apelo ao governo do estado no sentido de que fossem tomadas providências para impedir a depredação do que resta da paisagem colonial na cidade, e citaram como peças ameaçadas, cinco sobrados e a rua do rosário. Infelizmente só restam três sobrados sendo que um deles em condições precárias de instalações e conservação e a Rua do Rosário que permanece esquecida, fora dos projetos de restauração e revitalização, dos órgãos públicos responsáveis pela sua conservação histórica. Assim nos alertou o renomado pintor “Esta cidade tem muitos traços do colonial brasileiro que devem ser preservados, especialmente os sobrados e a rua do rosário. A sua proximidade com Brasília é um imperativo para que essas relíquias não sejam violentadas, para que as suas condições turísticas possam ser aproveitadas integralmente.” D.J de Oliveira sempre gostou de Luziânia pelas suas características, pelo seu clima, pela maneira de ser do seu povo, a identidade cultural do lugar, visualizava a cidade como um verdadeiro recanto. O certo é que O D.J de Oliveira manteve certa paixão pela cidade e essa ligação foi percebida pelo ilustre professor da Universidade de Brasília Dr. Flávio Koth, que, na apresentação de um catálogo em agosto de 1977, ali escreveu, “após percorrer o mundo, vive em Luziânia, como se tivesse escolhido um exílio voluntário das grandes metrópoles brasileiras, como se preferisse estender no ar, solitário, um signo que proferisse um mudo protesto contra as condições de vida nelas existentes.” Considerado um dos defensores e divulgadores, do patrimônio artístico e colonial de Luziânia, ao lado de Gelmires Reis, Benedito de Araújo Melo, Dilermando Meireles e outros, D. J Oliveira deixou um riquíssimo legado artístico e cultural para Luziânia, o painel três bicas, o pedestal do cristo redentor que se encontra totalmente desfigurado, um painel no ginásio de esporte que gera muita controvérsia pelo caráter da suas imagens, algumas obras de arte espalhadas em edifícios públicos e na mão de restritos colecionadores, além da possibilidade de uma reflexão sobre o destino da paisagem colonial da Luziânia, vista através do seu casarão que se tornou símbolo do descaso e da destruição dos registros históricos, pois continua abandonado, caindo aos pedaços, na movimentada Rua do Rosário.

PLESTRA DE JOSÉ ÁLFIO NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO PLANALTO

Tentativas de preservação e uma proposta singular
No Ano de l819 esteve em Santa Luzia (Luziânia), um viajante suíço chamado Saint-Hilaire, que fez um relato descritivo da paisagem local, nos informando que em Santa Luzia, “as casas, em numero de cerca de trezentas, são, na verdade, construídas de pau e barro”, porem de uma província encantadora no tempo do seu esplendor e a mais agradável que visitou. (Paulo Bertran. P.208) No ano de l978, uma comissão composta por membros da Academia de Artes e Letras do Planalto, apresentou ao prefeito Walter Rodrigues, uma relação composta de 104 (cento e quatro) “prédios históricos existentes nesta cidade, cuja preservação se recomenda”, alem do Tamboril e da Fonte Três Bicas. No ano de 2003, o Governador do Estado de Goiás, Marconi Ferreira Perillo Junior, através do Decreto nº 5853, tomba no Patrimônio Histórico e Artístico Estadual em caráter provisório, 29 (vinte e nove) bens imóveis da cidade de Luziânia, destes bens a maioria encontra-se em estagio precário de conservação, alguns abandonados beirando à ruínas. O aprofundamento da questão da paisagem e das leis de proteção foge um pouco do meu foco, porem vejo que a constituição brasileira prevê a salvaguarda do patrimônio histórico, e essa responsabilidade é transferida para o Estado, e o estado transfere para o município, e o municio a transfere para o proprietário do bem histórico, que na sua grande maioria já sofre com a carga alta de impostos e obrigações financeiras sem condições nenhuma de empreender restaurações no imóvel histórico, e assim cumprir o que manda a Constituição. Outro agravante em Luziânia, que afeta a nossa Paisagem Histórica é a falta de um centro de pesquisa histórica. Encontramos pouquíssimos documentos relacionados a história do lugar, estudantes e pesquisadores vão a Academia ou a Casa da Cultura, onde encontramos parte do acervo histórico municipal, representativo de mais de 265 anos de história, e cuja gestão tem sido entregue a cabos eleitorais, sem vínculo algum com a arte e a cultura da cidade. Digo isto com todo respeito e consideração aos funcionários da Prefeitura Municipal que cuidam daquele acervo, que ainda sofre com a falta de recursos para aquisição, manutenção, preservação e restauração, pois bem sabemos que os serviços da cultura são vistos como gasto e nunca como investimento, para um acervo reduzido a poucas peças, alvo de contínuos saques e roubos. Circula no meio intelectual da cidade certo desdém com relação à arte colonial, considerando sua feitura marcada pela “falta de artesãos habilidosos”, o que merece uma análise, pois, foram poucos os que debruçaram em documentos históricos para reconhecer que a imagem de Nossa Senhora com o menino, esculpida em cedro, pintada em policromia, ornada com folhas de ouro e que ainda está em Luziânia, trata-se de valiosa “peça de autoria confirmada a Veiga Valle”. (Heliana Angotti. A singularidade de Obra de Veiga Valle. P.394) A grande maioria ainda não reconheceu a grandeza da arte barroca que ornamenta os altares da Igreja Matriz (refiro-me aos dois das capelas laterais), nem tampouco visualizaram no arco construído em madeira, da velha Igreja do Rosário as lições da simetria, do volume, do arranjo, obtido com o avanço ou recuo no jogo das suas molduras. Não acredito que os portais abaulados que ainda nos apresentam a fachada do imponente casarão da Academia de Letras e Artes do Planalto, pode ter sido construído por artesãos sem habilidade, pois o que mais exigia do artesão, construtor, era a decantada habilidade no corte, no aparelhamento da madeira, no molde prévio, que se fazia necessário à feitura do traçado da linha de curvatura, aplicado na seqüência de portais e janelas que se voltam pra rua como um grandioso espetáculo visual. O barrado recortado da moldura, que circunda o telhado da Casa da Cultura, partiu da criação de uma forma, que se repetiria ao longo do encontro das paredes com o telhado, ali onde este ornamento sobre ás tabuas corridas e inclinadas escondia as linhas superiores do casarão persistindo em se mostrar aos passantes como um espetáculo urbano. As sacadas do Sobrado do Sr Josué da Costa Meireles, demolido na década de setenta, trazia na feitura de suas sacadas, reminiscências do Art nouveau, principalmente nas bolas de bronze ornadas com motivos florais, fixados na sua extremidade. A técnica de coloração do vidro que encaixava em molduras, de janelas quadriculadas em forma de guilhotina, ainda utilizada nas catedrais metropolitanas, ainda não foi vista, aqui, como arte. Medidas devem ser tomadas em caráter de urgência com relação ao destino dos documentos históricos que compõem a Paisagem de Luziânia. Dentre as quais podemos destacar: A salvaguarda do arquivo Gelmires Reis, preservando a integridade e conservação dos seus documentos e registros. A implementação do museu da memória de Luziânia com a criação de um Arquivo Histórico Municipal. O tombamento municipal, estadual e federal da Praça Três Bicas juntamente com o Painel do D.J. De Oliveira. A recuperação das obras que compões o acervo público municipal incluindo a restauração e revitalização do casarão que pertenceu ao D.J. Senhor Presidente. Um primeiro passo foi dado na criação do Museu. Quero aqui anunciar, em primeira mão que através de uma Organização da Sociedade Civil, a três anos em atividade, A Ong-proteger lza iniciou a catalogação e aquisição de um precioso acervo de objetos históricos da antiga Santa Luzia e da grande Luziânia, dentre eles menciono: O cachimbo que pertenceu ao D.J de Oliveira, uma caneta Paker dourada, que pertenceu ao Sr. Benetido Paiva, Uma caneca de cuité, com aros de prata, que pertenceu ao Santa Luziano Hermínio Francisco Ribeiro, Pai do Sr. Vargas Francisco Ribeiro, um punhal de prata da família de Ortóbia Meireles, nossa querida Dona Tuna, e tantos outros objetos da minha coleção particular que contam a história de Luziânia. Pedimos aqui o apoio da Academia e dos cidadãos de Luziânia para alavancarmos este projeto dando maior dimensão a esta iniciativa. Acredito que com esta ação a imagem de Luziânia vinculada na mídia nacional como a cidade mais violenta do entorno de Brasília, poderá se verter na cidade do marmelo, da arte, da cultura e da história.

PALESTRA DE JOSÉ ÁLFIO NA ACADEMIA DE LETRAS DO PLANALTO

Em busca da cidade que parece perdida, para não dizer destruída.
Viver numa paisagem antiga e experimentar seus valores é contabilizar perdas dentro de um parâmetro de qualidade de vida, como foi desfrutar dos prazeres que a cidade histórica nos oferecia, quando ainda menino, no tempo em que freqüentava o atelier do D.J Luziânia na década de setenta, a cidade se misturava ao verde exuberante dos velhos quintais e da paisagem que a circundava. As atividades na infância incluíam um contato quase diário com o quintal, visto e utilizado como uma extensão da casa, verdadeiro celeiro de frutas tropicais, abacateiros, goiabeiras, jabuticabeiras e tantas outras que cederam lugar aos estacionamentos e condomínios residenciais da grande Luziânia em processo de modernização. O passeio ao cerrado em busca das frutas do campo, Araticum, gabiroba, mangaba, jatobá, alem de caça, pesca, foram substituídos por novos hábitos que inclui a navegação nas redes sociais o ciberespaço da internet, colocando o homem posicionado em frente ao computador reduzindo as distancias de um mundo globalizado, porém confrontado com um homem cada vez mais ameaçado pela perda do deslocamento físico em direção a uma possível imobilidade biológica, distante da paisagem natural. O protótipo do sedentário contemporâneo que encontramos eco na obra “O espaço critico” de Paul Virilio, (Editora 34, pag. 114). Os momentos de repouso e descanso, que os cidadãos de Luziânia desfrutavam no frescor e nas sombras das fontes naturais de água limpa e cristalina que jorram ainda no solo da cidade, eram celebrados como verdadeiro paraíso ecológico e nos parece que o homem moderno esqueceu a Fonte. Seu espaço na paisagem clama por atenção, pois se tornaram fontes poluídas, esquecidas, cercadas por erosão e descuidadas, como estão as fontes olhos d’agua e a fonte maravilha no bairro da serrinha e a fonte três bicas com a contínua redução do volume de suas águas ameaçada de desaparecer pela força da ocupação imobiliária. Gostaria de encerrar esta palestra com as imagens da literatura, onde a busca da paisagem histórica e natural, pelo homem modernizado, é como reviver o drama de Marcovaldo, do escritor Ítalo Calvino, no livro, “As estações na cidade” (companhia das Letras 1994, p. 144). O autor descreve num estilo magistral e hilariante as aventuras de um cidadão que precisa se matar de trabalhar para garantir sua existência e de sua prole na cidade tecnológica, e os momentos de lazer se resumem a levar a família para passear no supermercado, sem poder gastar um centavo, pescar peixes contaminados na praça pública, caçar coelhos foragidos de um laboratório. Marcovaldo é o protótipo do homem perdido, desencontrado, procurando a cidade e a paisagem que escapou do seu olhar. E assim o descreve ítalo Calvino: “O olhar de Marcovaldo perscrutava ao redor buscando o aflorar de uma cidade diferente, uma cidade de cascas, escamas, brotos e nervuras sob a cidade de verniz, asfalto, vidro e reboco.”
Os trechos desta palestra serão transcritos integralmente no blog da Ong-protegerlza.blogspot.com
Convido a todos para assistir um clipe denominado: “Historicamente Luziânia” de 6 minutos. de 1990, que teve o apoio da Academia, do D.j de Oliveira, Terezinha Roriz e muitos cidadãos de Luziânia. Um movimento artístico em defesa do patrimônio histórico de Luziânia e pela melhoria da qualidade de vida na nossa cidade. Obrigado a todos tenham um excelente domingo. Luziânia 19 de novembro de 201 . José Álfio da Silva

PAINEL TRÊS BICAS - O SACERDOTE

PAINEL TRÊS BICAS - OS ÍNDIOS

PAINEL TRÊS BICAS EM LUZIÂNIA GO.